domingo, 5 de agosto de 2012

O QUE FAZER QUANDO A MEDITAÇÃO NÃO FLUI?

Quando a meditação não flui- http://alsibar.blogspot.com

No texto abaixo, faremos uma rápida explanação sobre a essência da Meditação e a contribuição de mestres modernos como Ramana e Krishnamurti para sua compreensão e aprofundamento. Depois, analisaremos alguns fatores que dificultam ou facilitam a Meditação.  Logo em seguida, apresentaremos algumas sugestões e dicas, que podem  ajudar o meditador em momentos de dificuldade. Por fim, apresentaremos uma técnica pré-meditativa chamada de “ Exercício do Stop” ensinada por Gurdjieff . Boa leitura!
  A meditação pode ser definida como um estado de total relaxamento e descanso mental, em que o EGO-PENSAMENTO está temporariamente “inativo”. Não é necessariamente um estado de NÃO-PENSAR, mas um estado de completa consciência e atenção em que não há um centro (ego) traduzindo, julgando, interpretando ou nomeando o que vê. Todos os grandes mestres do passado já ensinavam o valor e a importância da meditação. Buda e Jesus, por exemplo, sempre falaram sobre a importância da VIGILÂNCIA. Estar vigilante é estar alerta, atento a tudo - tanto interiormente quanto exteriormente. Mas não é apenas isso. Isso é apenas uma parte do “processo” meditativo. Durante séculos muita gente meditou errado. Disso resultou tormentos, conflitos e um interminável sofrimento. Foram mestres modernos como Krishnamurti, Ramana Maharshi e Lahiri Mahasaya,  que ampliaram nosso conhecimento sobre meditação, apontando erros cometidos ao longo dos séculos .

 Krishnamurti e Ramana, trouxeram, talvez, a maior de todas as contribuições para o entendimento da meditação. Segundo eles, na Meditação não há EGO. De forma muito simples isso pode ser explicado da seguinte forma: onde há EGO (inconsciência) não há meditação ( consciência) e onde há meditação,  não há EGO . Daí ser imprescindível a ausência deste último para que a meditação ocorra. Em outras palavras, o ego-pensamento impede a meditação. Todavia, no momento em que dele tomamos consciência – enquanto desejos, impulsos e pensamentos- ele se enfraquece e sua ação fica limitada. Ramana deixa bem claro que o EGO é uma ilusão. Ele só existe no estado mental de inconsciência e ignorância. Quando ficamos plenamente conscientes, percebemos que não há ali ego algum. O que víamos era uma espécie de delírio, resultante de nossa inconsciência. Buda também ensinou a mesma coisa através do famoso exemplo da corda e da cobra: o EGO é semelhante ao homem que, em seu delírio, confunde uma corda com uma cobra. Da mesma forma , Krishnamurti afirma em outras palavras: a meditação só acontece quando não há “observador”(ego), nem coisa observada, mas apenas a observação.  Em suma, Meditação pode ser resumida em uma única palavra: CONSCIÊNCIA.

          O problema que iremos examinar agora é o que fazer quando a meditação não está fluindo. Ou seja, qual a melhor atitude quando percebemos que não estamos conseguindo ficar conscientes de nós mesmos. Quando tomamos consciência de  nossa total inconsciência e automatismo.

Apesar de sabermos que não há métodos de meditação- o que é uma verdade- isso não significa que não haja meios ou maneiras de facilitar seu nascimento ou surgimento. O relaxamento é um desses caminhos. Por isso, que a maioria dos métodos de meditação começam com alguns exercícios de relaxamento. Na verdade, são preliminares, preparações para que a meditação possa "acontecer".  Ou seja, nem sempre quem senta em meditação, está realmente meditando. Muitas vezes a meditação não flui, pois esta não pode ser controlada pelo desejo, vontade ou pensamento . O máximo que se pode fazer é sentar-se sem fazer nada ( Zazen). Mas até mesmo isso é difícil pois, mesmo quando o corpo físico está parado, a mente continua plenamente ativa. E quando a mente está muito ativa o que acontece? Não conseguimos observar os pensamentos ou qualquer outra coisa pois somos arrastados pelos turbilhão de imagens, memórias, impressões , ansiedade e stress. Ora, se meditação é um estado de consciência plena , então quanto maior a agitação dos pensamentos, mais difícil será entrar em meditação. Por isso que um certo nível de relaxamento e descanso é absolutamente necessário. Mas como alcançar esse nível de tranquilidade em meio ao ritmo caótico da vida  moderna?

Quem medita há muitos anos já deve ter percebido que a intensidade da meditação está diretamente relacionada a vários fatores, muitas vezes, difícil de determinar e identificar. Estados internos, mudanças repentinas, perdas,  quantidade de energia, cansaço, stress, alimentação, ambiente etc. tudo isso pode influir na meditação, provocando-a, intensificando-a, enfraquecendo-a ou até mesmo impedindo-a. Muitas vezes temos a impressão que a meditação é uma espécie de estado que não pode ser controlado por vontade própria. E isso é confirmado por todos os grandes mestres. Krishnamurti dizia que o meio é o fim-eles não estão separados. Ninguém medita para alcançar o Desconhecido. Meditar é entrar no Desconhecido. Dessa forma, não há dúvidas sobre o caráter  “incontrolável” da meditação, pois é um estado, energia ou movimento que não se submete à vontade ou caprichos de ninguém.

Então qual a saída pra quem deseja meditar mas não está conseguindo? Primeiramente, não se deve ter expectativas, nem desejos de alcançar “algo”. A pessoa deve manter-se totalmente solta, livre e relaxada reduzindo ao máximo a ação do ego. É no estado de silêncio mental que a meditação começa realmente a fluir. É desse silêncio e tranquilidade que a energia da meditação começa a atuar. Mas alcançar este estado é muito difícil. Em suma, não podemos controlar a meditação, mas podemos controlar o estado que cria as condições necessárias para seu aparecimento. Ou seja, o estado pré-meditativo. Aquele que prepara o terreno para o seu florescimento. Há várias dicas e sugestões seguras, usadas há milênios por meditadores experientes. Buda ensinou uma bastante simples: ficar consciente da respiração. Consiste apenas em ficar cônscio, prestar atenção ao  entrar e sair do ar através narinas e boca. Na Yoga, ensina-se uma variação desse mesmo exercício que tem um efeito mais poderoso e imediato que é a retenção momentânea do ar inspirado nos pulmões por alguns instantes. Depois ir gradualmente expirando o ar pela boca – geralmente com o auxílio de um mantra que pode ser o " Sou-hum". Sou-para inspiração. Hum- para a expiração. Tudo de forma natural e sem exageros. Lembrando: esses exercícios são preliminares. Não são a Meditação propriamente dita.

Todavia, uma das técnicas que mais eficazes é o exercício do “Stop”, ensinado por Gurdjieff. No sistema de G., este exercício deve ser coordenado por um mestre. Apesar dele ter dito que é impossível alguém “despertar” sem a assistência direta de um mestre- o que foi questionado por Krishnamurti e Ramana- você pode tentar esse exercício sozinho, contanto que tenha completa seriedade e obediência às regras do mesmo, do contrário não funcionará. O exercício é extremamente simples, mas muito poderoso . Ele consegue quebrar ou reduzir bastante  a corrente que nos prende ao automatismo diário pois atua em todos os centros ao mesmo tempo: o motor, intelectual e emocional. É de conhecimento dos sábios antigos que somos um sistema integrado e que tudo está diretamente ligado: pensamento, respiração, sentimentos e posturas. Se mudamos os pensamentos, automaticamente a respiração, o sentimento e a postura também mudarão.  Da mesma forma se mudamos o ritmo da respiração ou os sentimentos, isso alterará os pensamentos e a postura. E se mudamos a postura, os outros três sofrerão mudanças significativas também. O exercício do ‘Stop” atua principalmente nas posturas e movimentos automáticos, mas atinge todos os outros centros pois ele consegue atuar nos sentimentos, pensamentos e ritmo da respiração de uma forma integrada e imediata. É como  um tratamento de choque no EGO. Pode ser usado em momentos críticos de grande stress em que precisamos meditar ou relaxar, mas não estamos conseguindo.

O exercício original é muito parecido com a brincadeira de “estátua”. Quando o mestre grita “Stop”, você deve manter-se na mesma posição sem se mexer até uma segunda ordem. Nesse momento você deve ficar totalmente consciente de si, da postura, do pensamento, dos sentimentos, sensações, sons, cheiros etc. Para realizá-lo sozinho, você tem que fazer da LEMBRANÇA DO EXERCÍCIO O SEU MESTRE. Assim, toda vez que se lembrar, dê a si mesmo a ordem :“Pare!”, então você deve “parar” tudo e ficar totalmente consciente ou alerta. Obviamente se você estiver dirigindo, ou fazendo algo que seja perigoso pra sua integridade física você não poderá parar a atividade- mas apenas ficar consciente dos seus pensamentos, sentimentos, sensações etc no exato momento da lembrança, durante o tempo que você conseguir.  Apresento abaixo o exercício original , retirado do livro escrito por P. D. Ouspensky,  considerado um dos mais importantes discípulos de Gurdjieff:
 O Exercício do "Stop"
OS CENTROS MOTOR, INTELECTUAL E EMOCIONAL
" O homem é incapaz de mudar a forma de seus pensamentos e de seus sentimentos enquanto não tiver mudado seu repertório de posturas e movimentos do pensamento e do sentimento, e cada um tem um número determinado delas. Todas as posturas motoras, intelectuais e emocionais estão ligadas entre si".
"É uma ilusão crer que nossos movimentos sejam voluntários. Todos os nossos movimentos são automáticos. E nossos pensamentos, nossos sentimentos também o são. O automatismo de nossos pensamentos e de nossos sentimentos corresponde de maneira precisa ao automatismo de nossos movimentos. Um não pode ser mudado sem o outro. De maneira que, se a atenção do homem se concentrar, digamos, na transformação de seus pensamentos automáticos, os movimentos e atitudes habituais intervirão imediatamente no novo curso de pensamento, impondo-lhes as velhas associações habituais".
"Nas circunstâncias usuais, não podemos imaginar o quanto nossas funções intelectuais, emocionais e motoras dependem umas das outras; e, no entanto, não ignoramos quanto nossos humores e nossos estados emocionais podem depender dos movimentos e das posturas. Se um homem assume uma postura que nele corresponde a um sentimento de tristeza ou de desencorajamento, pode estar certo, então, de que rapidamente se sentirá triste ou desencorajado. Uma mudança deliberada de postura pode provocar nele o medo, a aversão, o nervosismo ou, ao contrário, a calma. Mas como todas as funções humanas - intelectuais, emocionais e motoras - têm seu próprio repertório bem definido e reagem constantemente umas sobre as outras, o homem nunca pode sair do círculo mágico de suas posturas".
 O  EXERCÍCIO DO “ STOP”
 "Para opor-se a esse automatismo e adquirir um controle das posturas e movimentos dos diferentes centros, existe um exercício especial. Consiste no seguinte: a uma palavra ou a um sinal do mestre, previamente combinado, todos os alunos que o ouvem e o que vêem devem no mesmo instante suspender seus gestos, quaisquer que sejam - imobilizar-se no lugar na mesma posição em que o sinal o surprendeu. Mais aindas, devem não só cessar de se mover, mas conservar os olhos ficos no mesmo ponto que olhavam no momento do sinal, conservar a boca aberta se estiverem falando, conservar a expressão da fisionomia e, se estivessem sorrindo, manter esse sorriso. Nesse estado de 'stop', cada um deve também suspender o fluxo dos pensamentos e concentrar toda a atenção, mantendo a tensão dos músculos, nas diferentes partes do corpo, no mesmo nível em que se encontrava e controlá-la o tempo todo, levando, por assim dizer, a atenção de uma parte do corpo a outra. E deve permanecer nesse estado e nessa posição até que outro sinal convencionado lhe permita retomar uma atitude normal, ou até que caia de cansaço a ponto de ser incapaz de conservar por mais tempo a primeira atitude. Mas não tem nenhum direito de mudar seja o que for, nem o olhar, nem os pontos de apoio; nada. Se não pode aguentar, que caia - mesmo assim, é preciso que caia como um saco, sem tentar proteger-se de um choque. Do mesmo modo, se tivesse algum objetivo nas mãos, deve conservá-lo durante tanto tempo quanto possível; e se as mãos se recusarem a obedecer e o objeto lhe escapa, isto não é considerado falta grave".
Este é o exercício. Ele é muito simples mas , paradoxalmente, muito difícil de ser executado.  Todavia, todos os candidatos ao despertar podem e devem experimentá-lo para testar e comprovar  sua eficácia. 
Boa  Sorte! 
Alsibar
Bibliografia: OUSPENSKY, P.D. Fragmentos de um ensinamento desconhecido - em busca do milagroso. São Paulo, Ed. Pensamento.

2 comentários:

  1. Buenas!!! Não me recordava mais deste exercício curioso. Difícil, exige muita percepção. Mexe com as mesmas forças que nos colocariam em meditação, mas onde elas nascem, na postura.... interessante também quando, de súbito, nos recordamos do processo ilusório integrado (postura-pensamento-respiração) - e bate um certo silêncio. grande artigo!

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